4.3.12

Apenas começamos.


Agora, anos e anos após o primeiro encontro, ali estavam. Sentados naquele carro e transpirando ansiedade. No retrovisor ainda estava o filtro dos sonhos que ela insistira em pendurar. E, próximo dele, um crucifixo que ele mantinha ali por mais tempo do que era possível dizer.
O filtro irá protegê-lo, ela dissera. Ele nunca acreditara nesse tipo de coisa, mas sua crença nela era mais do que suficiente. Hoje em dia, conseguia até sorrir ao ver tal contradição diante dos olhos. A cruz e o filtro eram uma espécie de personalização daquilo que eles mesmos eram; uma forma física de demonstrar quão próximos eram, embora completamente diferentes.
- Será que ela vai estar em casa?
- Claro que sim. Nós ligamos ontem, lembra?
- Eu sei! Mas e se ela se esqueceu? E se saiu com algum amigo para beber ou foi a algum show de música alternativa?
- Ela está em casa - ele disse apenas.
- Sempre tão certo das coisas...
- Ela é nossa filha. Sei que está em casa.
- E do bolo? Será que ela vai gostar?
- É o sabor favorito dela. Recheio de abacaxi e tudo mais - ele apoiou a mão direita na coxa dela, quase tocando o bolo que ela carregava sobre os joelhos.
- Eu sei, mas... E se ela mudou de sabor favorito? E se ela agora odeia abacaxi?
- Amor... Ela é nossa filha. Apesar de tudo, contra tudo e acima de tudo. Ela é nossa. Sempre será nossa pequena. Não importa o quanto mude de gostos ou o quanto cresça em altura. Ela continuará sendo o nosso bebê.
- Ela odeia quando a chamamos assim. Bebê. Lembra o dia em que ela saiu de casa e veio para a faculdade?
- Como se fosse ontem - ele deu um aperto na coxa dela, transmitindo um conforto silencioso. Quem precisava disso, porém, era ele mesmo. Detestava relembrar o dia em que sua menina encontrou-se adulta o suficiente para ver o mundo por si mesma.
- Chamei-a bebê.
- Entre lágrimas - apontou ele, sorrindo.
- Entre lágrimas. E ela brigou comigo. Disse que já era uma mulher...
- E era.
- Era.
- Mas você parece estar se esquecendo de que ela também estava em lágrimas naquele dia.
- Não, não me esqueço.
- Foi muito mais dolorido vê-la triste do que vê-la ir embora, não acha?
- Acho. Somos dois malucos?
- Somos pais, amor. Pais.
- É... - discretamente, ela secou as novas lágrimas que lhe surgiam no rosto e ajeitou os cabelos. Ele respirou fundo e arrumou a camisa.
- Então, vamos ou não desejar feliz aniversário para nossa filha?
E eles foram, mão segurando mão e alma segurando alma.


P.S.: Pauta para a 108ª Edição Visual do Bloínquês.

11 comentários:

  1. Olá Bruna. Gostei da história - simples, direta, descrições bem feitas, sem tentativas de reviravoltas mirabolantes. Os diálogos estão legais. Só acho que você acabou dando muita atenção à descrição da cena e do ambiente, o que acabou tirando um pouco do foco da narrativa.

    Mas no geral está muito bom.


    Se possível visite meu blog e se gostar, cadastre-se como leitora. Retribuirei para trocarmos comentários.
    http://reflexoesdo719r.blogspot.com


    Abraço.

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    1. Oi, Fabio!
      Adorei seu comentário.
      E concordo sobre me atentar mais para a descrição da cena... Já me disseram que é uma tendência muito grande em tudo que eu escrevo. Tenho uma mania pelos detalhes que me domina sempre.
      Vou visitar seu blog, certamente.
      Abraço.

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  2. Ai, que texto lindo! Você escreve muito bem Bruna!
    Boa semana.
    Kiss, Cat.
    http://alocat.blogspot.com/

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  3. Que interessante o texto. Pais são sempre pais :) Adorei a forma como você escreveu.
    http://www.senhoritaliberdade.com/

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  4. Gosto dos seus textos, são sempre muito bons. Bem que podia fazer mais contos com várias partes né? Seria muito bom *-* Beijos
    http://primeirapessoa-dosingular.blogspot.com/

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  5. E aí linda, parou com os textos?
    Tem mais temas do Bloínquês essa semana! :D


    Abraço.

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    1. Hey, Fábio! Não, não parei. É que essa semana tá difícil digitar... Machuquei meu braço :/
      Beijo beijo

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