22.12.12

Do amor como um todo.


Era véspera de natal e o abraço dele em volta dela era tão apertado que podia conter todo o amor do mundo (e talvez tivesse). E os olhos dela estavam fechados e o rosto enterrado tão fundo no peito dele que eles poderiam ser um e ninguém saberia dizer a diferença. E ele admirava as estrelas enquanto os dedos corriam os cabelos castanhos e ela continuava segura em seu peito; o respirar irregular do choro aos poucos voltando para aquele ao qual ele se acostumara a ouvir pela manhã, como uma canção para os primeiros minutos do dia.
E depois do que poderia ter sido uma eternidade, ela deitou a cabeça de lado sobre o peito em que se escondera antes, o rosto ainda manchado de lágrimas, mas finalmente sereno.
- Mais calma?
- Não de verdade. Mas ajuda muito você estar aqui. Só você consegue manter minha respiração sob controle e meu peito incapaz de explodir. Obrigada por ter vindo, mesmo sendo natal e tudo.
- Bem, é sempre assim com a gente, não é? Você chama, eu venho. Eu preciso, você está lá.
- Há quem chame de simbiose, mas eu acho que o nome disso é amor.
Ele riu, e os dedos desceram o carinho para a pele delicada do pescoço. Ela suspirou.
- Você sabe que vai ter que descer e encará-los em algum momento, certo? - Ela congelou entre seus braços. - Eu não me incomodo de ficar aqui, mas o natal é uma festa de família. Você devia mesmo ficar com a sua. Estão todos preocupados com você lá em baixo.
- Eu não quero descer e ser julgada por eles.
- Ninguém vai...
- Você sabe que eles vão. 
Ela interrompeu. Separou o corpo do dele com esforço, e os olhos se encontraram e se prenderam (acontecia sempre).
- Eles tem essa ridícula visão romantizada de mim, essa ideia de que eu vou ser grande, ser ótima, ser impressionante. E aqui estou eu, pouco mais que nada, sem nenhuma chance, nenhum grande futuro à vista, perdida até dizer chega. Eu não quero ter que escutar “Ela já devia estar brilhando” ou “Já era pra você ter saído desse emprego” ou ainda “Estamos gastando nossas esperanças com você”. Eu não quero ter que passar por isso. Então eu não vou até lá. Vou ficar aqui, eu e você e o único abraço que me acolhe. E vai ficar tudo bem.
Ele deixou escapar um suspiro, e soou cansado como poucos.
- Você que exige muito de si mesma. Você já é impressionante, já é ótima. Droga, se você se visse como eu te vejo...
- Você é um amor, isso sim. - Ela diz, e os olhos feitos de carinho acompanham a linha suave que ela desenha no rosto do namorado com as mãos nuas. - Mas você também está errado. Você só me vê assim por que me ama.
- Eles também amam você, sabe. Eles são sua família, afinal de contas.
Ela encolhe os ombros. 
- Fomos destinados. Eu nasci no meio deles, eles já estavam lá pra mim. Não foi exatamente uma escolha. Só aconteceu desse jeito. Eles, todos eles, são o motivo pelo qual eu estou aqui: eles são os bancos de genes cuja combinação e probabilidade resultou em mim. Isso não torna o nosso laço transcendental ou sei lá... 
- Por favor, não seja pragmática. Não agora, não hoje. É claro que é uma escolha: eles aceitam você entre eles, eles escolhem amar você-vida-nova no meio deles. Mas é natal, pelo amor do bom Pai, e não quero ficar discutindo com você (Você está errada, de todo modo). Hoje é um dia pra agradecer, para amar, acreditar e, queira você ou não, para estar com a família. Isso é transcendental o suficiente para mim.
- Não importa. Eu prefiro estar com você, a quem eu acolhi como família.
- Não é a mesma coisa. - Ele resmungou. 
- Para mim é.
- Mas nós não somos família de verdade...
- Eu sinto como se fossemos.
- Mas nós não somos. Ainda não, de todo modo.
O silêncio durou apenas um segundo e a certeza a invadiu como uma maré; veio de repente e levou tudo com ela, transbordando em sorrisos pelos lábios suaves.
- “Ainda não”, é?
- Ah não, não faça isso. Eu ainda não tenho o anel, então pode parar com esse sorriso. Você não vai me fazer dizer as palavras agora.
Mas bastaram aquelas palavras, um olhar, aquele sorriso e a esperança nos olhos castanhos e ele sacudiu a cabeça, vencido.
- É “ainda não” porque eu pretendo que sejamos. Em breve, se eu puder escolher. 
- Isso é...?
- Eu amo você, eu preciso de você e eu quero estar com você pra sempre. Então, por que não? Eu quero ter o prazer de dizer que nós dois, juntos, somos algo “transcendental”. Que somos mais que o acaso. Mas somos mais que a escolha também. Nós somos amor, e é isso que fará de nós família. Por que é isso que família significa.
E os olhos dela, por um motivo ou outro, ficam cheios de lágrimas.
- Amor. Família. Eu e você.
- É. É isso. E esse foi o pedido de casamento mais terrível do mundo, por que você foi incapaz de esperar mais duas semanas para eu estar com seu anel e fazer direito. 
Ela encolheu os ombros como quem não se importa.
- Foi perfeito pra mim. 
Ele revirou os olhos.
- Não há uma única grama de romance nos seus ossos, hã?
- Há o suficiente, eu acredito. - Ela diz pomposamente, e eles ficam em silêncio por mais um momento inteiro. - A resposta é sim, aliás. 
- Como?
- Sim, eu aceito me casar com você. Aceito me tornar família. Aceito ser amor.
Ele sorriu.
- Nesse caso, com o poder recém-investido em mim de noivo em exercício, eu estou obrigando você a passar o natal com quem te ama. - Ela teve apenas alguns segundos para exibir sua expressão mais confusa antes de ser bruscamente posta de pé e empurrada na direção da escada. - Família. Eu, você e eles.
- Ok, ok. É natal. É mesmo uma época para dividir e perdoar. 
- O que você está perdoando exatamente? A atitude que nem sabe se eles teriam?
- Exatamente. - Ele suspira, sabendo que estará condenado a estar sempre preocupado com o estado mental da agora-noiva. - E estou dividindo minha estúpida e imensa felicidade por me casar com o homem mais perfeito do mundo. 
- Que sou eu, eu imagino.
- É claro. - Eles riem. - Você é minha família. É lar e é amor. E se isso é o que é o natal, então eu 
vou vive-lo como se deve.
Ele entrelaça os dedos com os dela, o carinho mudo e sinal da presença incondicional.
- Obrigado, eu acho.- Ele diz, e ela sorri. - Então você está mudando de ideia sobre o natal agora, hã?
- O que eu posso dizer... Se nós somos prova de qualquer coisa, acho que tudo isso é transcendental o suficiente pra mim.

2 comentários:

  1. Tha, sou apaixonada pela sensibilidade e pela candura que você coloca nos seus textos. Com esse não foi diferente.
    Meio que encarei como um sinal ter deixado você pro terceiro dia e no seu texto ter a palavra "transcendental". Vou soar maluca, mas eu tenho algo inexplicável com essa palavra, hahaha.
    Enfim, obrigada por ter aceito participar! Sempre é muito especial te ler. Obrigada!

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    1. fiquei super feliz de ter sido convidada, Bru. ainda to morrendo de vergonha de ter demorado a vida pra escrever x)
      acho que esse foi o texto mais sincero que escrevi, dos três. acho que é o mais de verdade também. talvez por isso transcendental apareceu aí... claro que nessas coisas o final é sempre mais feliz, haha.
      mas adorei participar. obrigada!

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