24.11.12

Semelhanças.


Ainda pequena, quando seu braço foi fraturado em uma queda de bicicleta, chorou e fez manha por algumas horas. Assim que olhou o gesso no lugar, porém, e a voz do médico pronunciou algo como cinco semanas, conformou-se.
Sua mãe não ouviu nenhuma reclamação dali para a frente, mas seu pai perdeu a paciência com os inúmeros  e insistentes pedidos para voltar a brincar com a bicicleta rosa. Mesmo com o incômodo do braço imobilizado. Mesmo com medo de cair de novo. Mesmo.
Cresceu assim, ignorando o medo como se desvia de um buraco no caminho. Sabia que ele estava ali, não era estúpida. Mas fingia que não via. Fingia tanto que um dia ele deixou de aparecer. Ainda que ela o sentisse, invisível, espreitando-a de um canto mais escuro.
Conheceu alguns caras pelo caminho, mas nenhum deles foi importante. Até que um deles se destacou na multidão e se tornou o cara ao que ela se referia nas conversas e aquele a quem ela dedicava seus pensamentos.
Conversaram-se, beijaram-se, namoraram-se. Quase se casaram. E o quase foi ela quem pontuou. Não que realmente quisesse, mas assim foi.
- Essa camiseta é péssima. Sério. Metade do mundo não conhece essa imagem e a outra metade não está interessada em vê-la estampada em qualquer coisa que seja.
- Uh? É a última moda, minha querida.
- E desde quando você se interessa pelo que está ou não na moda, meu querido?
Ele deu de ombros, mas não respondeu verbalmente. O telefone dela começou a soar, o toque estridente gritando no ambiente silencioso. Ela não atendeu. Levantou-se da cama e foi abraçá-lo.
- Se desculpando? - ele brincou.
- Uhum. Você fica lindo com qualquer coisa.
- Até com uma estampa que ninguém conhece?
- Metade. Metade do mundo conhece.
- Já é alguma coisa - ele gargalhou.
- Oi, minha linda. Por quê não está atendendo? Já sei... Você deve estar em algum lugar com aquele idiota. Enfim, preciso te ver hoje. Sua casa está fora dos limites, como sempre. Mas preciso te beijar. Essa noite. Toda você. Cada centímetro. Não importa o lugar. Só se livra dele e me liga, ok?
Ela o sentiu ficar rígido, mas se negou a deixá-lo ir. Percebeu o medo ressurgir daquele canto por tanto tempo esquecido e, de alguma maneira, ele estava mais forte, mais determinado.
- Quanto tempo?
Foi tudo o que ele disse. Como se precisasse se atormentar, fazendo contas na cabeça para perceber se ela algum dia saíra dos braços do outro direto para os dele. Como se precisasse saber se a beijara com o gosto do outro ainda ali naqueles lábios que tanto amava.
Mas ela não soube responder. Era como se os dois já houvessem se misturado. Ele se soltou dos braços dela, evitando encará-la. E ela percebeu que não queria perdê-lo. Queria ser egoísta e prendê-lo ao lado dela pelo tempo que ainda lhe restasse de vida. Queria-o.
- Não vai embora - sussurrou, tentando impedi-lo. Tentando segurá-lo ao lado dela com palavras que, sabia, eram inúteis. Mas precisava tentar. Do mesmo modo que tentou pedalar na bicicleta rosa. Mas estava quebrada naquela época e voltava a estar quebrada agora. Não tinha o necessário para fazer com que ele ficasse. Nem respostas, nem promessas.
Enquanto observava a porta se fechar, porém, sabia que, um dia, se insistisse o suficiente, todas as dores iriam passar. Afinal, ninguém dói para sempre. Não seria diferente para ele. Nem para ela.


3 comentários:

  1. Adoreeeei. Mas achei estranho hasuahsuhas Sua forma de contar as coisas são perfeitas, não consigo explicar. Eu simplesmente gosto. Mas que a personagem aí é uma filha da mãe, isso é :p

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  2. Bruna, parabéns pelo belíssimo texto!
    Como (novamente) não encontrei nada que possa mandar mensagens para você, tive que mandar por aqui mesmo, tudo bem?!
    Queria dizer que publiquei seu texto (http://universodiversoo.blogspot.com.br/2012/12/carpe-diem.html). Se quiser mudar algo, é só entrar em contato comigo.

    Beijão

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  3. Revoltante. Traição é sempre revoltante. Mas ainda assim foi tão doce que quase soou injusto. Como você faz isso, menina?

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