26.4.12

Trevor.


Seu nome era Trevor. Nem o uniforme, nem as botas sujas de uma terra que não era dele, nem a arma que provavelmente já havia matado muitos dos meus... Nada me impediu de sorrir e de me aproximar.
Ele era um homem bonito, pensei. Não bonito como meu pai ou o menino da casa ao lado. Trevor possuía uma beleza que não vinha apenas dos traços de seu rosto. Sua beleza era algo interior que, de tão grande e poderoso, acabava se mostrando também em seus olhos.
- Você é muito bonito - acabei dizendo em um inglês carregado. Ele, que já havia notado minha presença muito antes da aproximação, gargalhou.
- Bonito? - indagou. Observei-o olhar para os lados com cautela e logo se sentar no chão. Com o movimento, sua arma ficou levemente apontada para mim.
- Sim. Seus olhos - apontei para seu rosto e sorri de novo.
- Meus olhos - ele mostrou a intenção de levantar umas das mãos para tocar o próprio rosto, mas mudou de ideia e seu sorriso desapareceu. Acho que lidar com a hesitação não era coisa de seu mundo.
- Você repete tudo que eu digo - afirmei.
- Estou um pouco sem jeito - ele gargalhou, parecendo relaxar. Mas seus olhos continuavam a se movimentar em todas as direções, de tempos em tempos. Lembro-me de pensar que aquele homem dificilmente baixaria sua guarda.
- Conheço você - falei de repente.
- Eu? - ele perguntou com o rosto sério.
- Sim, você esteve em minha casa. Com meu pai. O tradutor. Lembra?
Percebi o reconhecimento iluminando seus olhos. Mas ele não falou nada, apenas assentiu e voltou a olhar em outra direção, como se vasculhasse os arredores em busca de alguma ameaça.
- Ele me disse seu nome - continuei.
- Meu nome? - ele murmurou.
- Sim. Trevor. - pronunciei a palavra com certa dificuldade.
- Trevor - ele novamente assentiu. - Esse é meu nome.
- O meu é Aminah.
- Bonito.
- Uhum. Eu gosto. Mamãe disse que significa de confiança. O seu também é bonito.
- Obrigado. Mas não sei se o meu nome tem um significado assim tão notável quanto o seu - ele sorriu.
- Isso não importa muito. O que importa é a pessoa - eu disse com convicção.
Foi nesse segundo que ouvi um barulho muito alto e senti uma forte queimação em um dos meus ombros. Depois, tudo pareceu simplesmente... acabar. Meus olhos escureceram, e eu não vi Trevor cobrindo meu corpo com o seu para me proteger nem escutei os outros tiros que se seguiram.
Quando acordei no hospital, descobri que meu próprio povo havia planejado aquele ataque, pois consideraram meu pai um traidor por ajudar os inimigos. Minha casa fora completamente destruída na explosão - meu pai e minha mãe estavam lá -, aquele tiro atravessara meu braço e Trevor... Trevor havia salvado minha vida.
Agora, anos depois, tudo o que sinto são meus olhos embaçados pelas lembranças e meu coração pesado com certa culpa. Se eu não o tivesse distraído, se eu não tivesse me aproximado... Respirei fundo e pisquei diversas vezes para impedir as lágrimas de rolarem livres. Meus ses jamais seriam respondidos.
Quando estava me levantando, vi meu filho que passou correndo diante da porta do escritório seguido de perto pela nossa gata branca. Um sorriso imediatamente se desenhou em meu rosto. Lá estavam os dois em sua guerra particular. De novo.
- Mamãe, Lassie está me enchendo de pêlos! - ouvi meu pequeno gritar apavorado segundos depois e meu sorriso ficou ainda maior. Hora de voltar ao presente.
- Eles estão impossíveis hoje - meu marido, o menino da casa ao lado, comentou ao me ver. Ele estava parafusando uma porta do armário da cozinha que insistia em não fechar direito.
- Por que nós temos um gato mesmo? - perguntei enquanto colocava meus braços ao redor de sua cintura.
- Porque às vezes precisamos correr alguns riscos. Não é assim que seu pai costumava dizer?
- É, é assim - sorri.
- Mamãe!
- Já vou, Trevor! Já vou.



P.S.: Pauta para a 115ª Edição Visual do Bloínquês.

13 comentários:

  1. Incrível o texto, sua pequena notável. Ps: Lassie :) HUASHAUSH

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  2. Eu amei esse texto do inicio ao fim. Você conseguiu enxergar de uma forma linda essa foto, que eu nunca conseguiria. Ficou simplesmente demais. Muita boa sorte nessa edição *-*

    Beijos,
    Monique <3

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  3. Amei a gatinha -q

    Bruninha das artes escreve muito D=

    Amei mesmo sz

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  4. Bruninha, excelente o seu conto. Você conseguiu manter o ritmo e a coerência da história e terminar com bastante ternura. Me arrancou um sorriso.


    Beijão!

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    1. Que bom! Tentei mesmo manter a coerência e não deixar nada só "na minha cabeça". :)

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  5. Que texto lindo, que história encantadora. Não conhecia tuas palavras e me surpreendi lendo esse texto. A história é fascinante, me fez dá um sorriso diante tanta ternura. Final, foi excelente, que lindo o filho se chamar Trevor.

    http://iasmincruz.blogspot.com.br/

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  6. Sem dúvida alguma você tem o dom para com as palavras. Parabéns!

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  7. um conto emocionante.
    fiquei imaginando se a ideia veio da foto do post.
    p.s.: estou seguindo^^
    Emilie Escreve

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