18.11.11

Sobre cores e notas musicais.



Cantando, eu me sinto diferente. Diferente de tudo que eu normalmente sou e mais parecida com o que eu realmente quero ser. Diferente da garota e mais parecida com a mulher. Diferente desse alguém que sofre em silêncio e muito mais parecida com um alguém que não aceita não como resposta, alguém que jamais teria permitido que ele saísse por aquela porta.
Cantar é tão especial pra mim que eu não me imagino vivendo uma carreira no mundo dos sonhos. Cantar é minha arma pra passar intacta através de dias ruins, pra comemorar objetivos arduamente alcançados, pra sentir a dor pela partida dele ficar menor e menor a cada nota que minha voz entoa.
Essa mesma dor que, de repente, voltou. Mais forte do que antes, como se nunca houvesse me abandonado. Naquele palco pouco iluminado, minha voz tremeu. Respirei no momento errado e quase coloquei toda a canção a perder. Mas algo muito mais forte do que aquela dor esquisita chegou e me socorreu. Continuei passeando pela canção como se lá fora houvesse um lindo dia de sol ao invés de uma noite chuvosa e fria. Quase ninguém percebeu meu deslize enquanto eu fingia não perceber a presença dele perto da porta.
Nosso amigo em comum, e dono do bar, conversava com ele. Provavelmente estava dando as boas-vindas ou conversando outra amenidade qualquer. Observando aquela cena, me arrependi de ter aceito o convite para substituir por uma noite o cantor oficial da casa, que havia ficado muito doente. Mas Jake era um amigo de verdade e precisava de uma voz para a inauguração. Eu nunca havia cantado em público - karaokês contam? -, mas aquela era uma dessas situações em que você deixa o seu próprio desconforto de lado e ajuda um amigo. Minha vida estava já tão desatada da vida daquele homem que nem por um segundo me ocorreu que ele também estaria aqui.
- Vamos pular para a número 5? - perguntei baixinho para o baterista quando terminei a canção.
- Por quê? Não, você sabe que adoro tocar essa - ele riu. - E foi a que mais ensaiamos, Lê. Não adianta encurtar o show agora. O que aconteceu? O medo do palco já deve ter passado, não tem como ser isso.
Não era. Suspirei e sacudi a cabeça, concordando distraidamente. O problema era a presença e as notas soltas que rodopiavam na minha cabeça, deixando-me confusa e perdida. O problema era a próxima música, meu coração acelerado e os ouvidos dele. Tudo junto. Tudo muito perigoso. Mas não havia tempo para discussões e não havia, muito menos, volta atrás. Eu teria que cantar.
Cantando, eu me sinto mesmo diferente. E, mais do que nunca, eu precisaria desse artifício pra poder começar e terminar a canção da gente enquanto ele me observava. A canção da gente... Enquanto as notas da introdução começavam, eu respirava fundo e evitava olhá-lo. Meu Deus, ele se lembraria?
Cantei. Cantei como se nunca fosse cantar novamente. Cantei como se não existisse outra canção no mundo. E na nota final, que consegui sustentar de forma impressionante, não resisti e olhei pra ele. Ele, que não olhava pra mim. Que parecia estar escutando qualquer outra música e não aquela que um dia havia sido tão importante pra nós dois... Meu Deus, ele se esquecera.

7 comentários:

  1. A música e a escrita são as minhas melhores amigas. É aí onde eu existo de verdade e onde todo sentimento sai sem medo algum.
    Adorei!

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  2. Cantar é um deleite, ainda bem que a grande maioria dos seres humanos o fazem, por mais que não seja facil de ouvir! Mas cante ... cante ... cante!

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  3. Minhas também, Wanderly. Quase não imagino uma sem a outra!

    Cleber, canto! Desafinada como ninguém, mas sempre cantando! Haha :)

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  4. Dia dezoito! Você cumpre bem os seus prazos, hein? *-*
    É bem assim mesmo a vida de quem canta, ou de quem acha que canta, isso ajuda a passar pelas situações complicadas, te diferencia do resto das pessoas quando você parece ser igual, por isso eu me aventuro e muito graças a você!
    Me enxerguei na história e fiquei até deprimida, como ele não lembrou? ): Qual era a música afinal, Jar of Hearts? HUHSAUH
    Você é um talento, extrai textos maravilhosos e inesperados de onde eu nem imaginava que pudesse existir uma história. Preciso reviver o meu lado escritora, mas já perdi a prática. Sou do seu team também, não duvide *-*

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  5. Dessa vez cumpri à risca, Rê!!
    Fiz um final diferente da outra, percebeu? Nessa história o final não foi exatamente feliz (talvez até seja, dependendo do ponto de vista).
    A música... escrevi com 6 Months na cabeça, mas pode ser qualquer uma, por isso não citei haha
    E reviva seu blog, por favor. Falando de futebol ou não hahah
    Ah, amiga, você é muito gracinha :)

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  6. depressão. e começou tão bonito, tão luz, tão nostálgico. mas acho que é assim mesmo, ora ou outra as pessoas precisam esquecer - da gente, da dor. e é pra isso mesmo que servem as canções, as telas, as poesias e as prosas, pra libertar o coração da gente de terrores como esse aí que ficou pulsando na ultima frase, no ultimo pensamento. mas se segue em frente. uma musica de cada vez.

    obrigada por sempre me fazer sentir,dona bruna. suas historias, pra mim, são quase canções.

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  7. A ideia é essa. Seguir em frente. Às vezes simplesmente não é pra ser e é melhor que a gente abra os olhos a tempo. Talvez assim não sofra tanto :/

    ADORO seus comentários, Thai. Principalmente porque tudo que você diz pra mim (e pros meus textos), eu poderia dizer pra você sem hesitar. Obrigada mesmo.

    **Aliás, "seguindo em frente" era o backup name do post, haha (:

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