24.8.11

Selvagem.



- Eu só tenho quarenta e cinco minutos.
- Só isso? - ela reclamou, manhosa.
- Já tivemos uma noite inteira - ele retrucou, e em sua voz havia riso. - Não foi suficiente?
Antes de responder, ela olhou pela centésima vez dentro daqueles olhos dúbios. Não era difícil perceber que ele aproveitara tanto quanto ela o tempo que haviam tido juntos, longe do resto do mundo. Os lençóis, testemunhas silenciosas, ainda estavam enrolados em ambos os corpos, beijando aqui e ali cada centímetro de pele saciada, brincando com poros, pés e passados quase desconhecidos.
- Foi - ela respondeu com sinceridade. Ele sorriu, porque pensava o mesmo.
- Mas eu ainda tenho quarenta e cinco minutos...
- Quarenta e três - ela corrigiu enquanto passava os braços ao redor do pescoço dele e o puxava para si.
- Que seja - ele resmungou antes de arrebatá-la em um beijo voraz.
- Você não vai mesmo me dar o número do seu telefone? - ela perguntava quarenta minutos depois. Estavam diante do hotel, prestes a nunca mais se verem.
- Desfaria todo o encanto - ele usou as mesma palavras que ela escolhera mentalmente. Passou os dedos pelo rosto bonito, prendendo algumas mechas de cabelo cor de vinho tinto atrás das orelhas bem formadas.
- E se eu estiver a fim de um pouco de realidade? - ela insistiu. - Sabe, pra variar.
- Essa noite foi bastante real, do meu ponto de vista - ele riu baixinho e a abraçou por escassos segundos, os olhos sem saber se ficavam verdes ou castanhos.
- Talvez nunca nos encontremos de novo - ela tentava fazê-lo raciocinar. - Não foi... bom?
- Melhor do que eu poderia descrever - ele respondeu. - Mas vamos deixar tudo do jeito que está... Você e eu, dois desconhecidos que se encontraram em uma noite...
- Mágica, eu sei. Uma noite que eu nunca esquecerei. Uma noite perfeita.
- Tão perfeita que merece continuar assim para sempre.
- Por isso você não vai me deixar te dar meu número... - ela afirmou.
- Nem vou te dar o meu...
- Vamos seguir nossos caminhos como eles eram antes...
- Voltaremos à estrada principal... - ele completou.
- Mas sempre nos lembraremos desse desvio...
- De uma noite só.
- De uma noite só - ela concordou.
Sorriram um para o outro e, sem olhar para trás, seguiram seus caminhos de estradas principais, e nenhum atalho.
- Já acordada? - ele abraçou a esposa e lhe deu um beijo na nuca.
- Estou preparando aquele seu bolo favorito - ela piscou e voltou a caminhar pela cozinha, atarefada.
- Hoje é um dia especial? - ele deixou o paletó em cima da mesa, e se espreguiçou lentamente.
- Depende...
- Mmm? - ele sorriu, ainda meio lento de raciocínio. Seus olhos de dupla cor tão indecisos quanto ele próprio.
- Se você ousar se esquecer que dia é hoje, ele poderá muito bem ser o dia da sua morte - ela o ameaçou com uma colher.
- Como você pode duvidar assim da capacidade do meu computador de me lembrar datas importantes? - zombou dela. - Sei muito bem que dia é hoje, sua boba.
- Então, cadê meu presente?
- Que mulher interesseira - ele caminhou até a despensa e, olhando atrás de algumas embalagens de feijão,  pegou o presente que ali escondera dias antes.
- Não acredito que esteve aí o tempo todo! - ela exclamou, indo até ele e recebendo com um sorriso a caixa aveludada.
- Você ama cozinhar - ele disse com ironia. - Foi o melhor lugar que consegui pensar.
- Uau - foi a vez dela de se surpreender. - Me ajuda?
Ela se virou, segurando os cabelos para o alto, enquanto ele fechava o colar ao redor do pescoço esguio.
- Me deixa ver você - ele a fez se virar e lentamente abriu um sorriso. - Lindo. Combina com seus cabelos.
- Que bom! Nada parece combinar com essa cor.
- A cor é linda e você sabe. Toda mulher gostaria de ter um cabelo assim... Cor de vinho tinto.
- Obrigada - ela sorriu, agradecendo pelo elogio e pelo presente em uma só frase.
- Feliz aniversário - ele disse. - Que venham mais dez anos - brincou, abraçando-a.
- Só isso? - ela reclamou, manhosa.
- Não se preocupe. Teremos a vida toda.

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