28.2.13

Souvenir.



Normalmente, ele não prestaria atenção em nada a não ser nas baquetas bem seguras entre seus dedos. Mas aquela noite estava longe de ser normal. Enquanto tocava alguma balada que fazia o público levantar as mãos e balançá-las de um lado para o outro, ele observava. As notas continuavam a surgir naturalmente e  ele não atravessava a melodia em nenhum momento. Sua atenção, porém, estava dividida entre a música e uma garota.
Não admitiria para ninguém, mas seus olhos não saíam da camiseta que ela vestia. A estampa era caseira e dizia algo como "estou com o vocalista". Ela era, sem dúvidas, a pessoas mais animada do lugar. Mesmo durante aquela música, relativamente calma, ela estava pulando e apontando seus sorrisos para o cara atrás do microfone. Ela segurava uma cerveja em uma das mãos, mas sequer isso era impedimento para o balanço de seus braços. Só que ela não estava no ritmo das outras pessoas. Ela era acelerada; sempre metendo o pé, nunca usando o freio.
Era sempre assim, ele sabia bem. Por onde eles tocassem, lá estava ela. A namorada de seu melhor amigo bem poderia ser a sexta integrante ou a empresária ou a relações públicas da banda. Ela não perdia um único show. Nunca faltava, nunca reclamava das noites sem dormir ou - pior ainda - das noites passadas dentro do ônibus enquanto eles iam para outra cidade e para outro público.
Seu amigo gostava daquele cuidado todo. Costumava dizer que essa era a forma que ela tinha de demonstrar o orgulho que sentia dele.
Mas o que o fazia mesmo prestar atenção naquela mulher não era exatamente ela. Era o contraste e a contradição que ela criava ao estar perto de outra garota. Uma que já fora dele.
Sua garota não havia aparecido em nenhum show desde o término do namoro. E ele chegara a pensar que jamais voltaria a vê-la enquanto respirasse. Mas ali estava ela. Sem camisetas nem braços em movimento. Apenas ela. Observando as pessoas e bebericando de uma garrafa d'água de vez em quando.
O que doía era que, um dia, há muito tempo, ela fora como a empresária honorária. Camiseta e tudo. Todo mundo costumava dizer que ele tinha sorte, que a frase "estou com o baterista" era rara de ser vista por aí, pois quase ninguém ligava para o baterista ou para o baixista ou para o guitarrista. Eles nunca estavam  sob os holofotes nem nunca conseguiam tanta atenção feminina quanto o cara que colocava sua voz nas músicas.
Mas ela era diferente. Sempre fizera questão de gritar que estava namorando o cara mais talentoso da banda. Quando um show terminava e eles passavam do palco para o bar, ela ficava brincando com suas baquetas enquanto ele bebia uma cerveja para encerrar a noite. Ninguém tocava em suas baquetas além dela. E já fazia muito tempo que aqueles pedaços de madeira não sentiam um toque que não fosse o dele.
E o tempo era mesmo a questão. Dois anos. Tempo demais. Só agora ele percebia. O que diziam sobre perspectiva era mesmo verdade. Agora ele via o quanto fora um idiota.
Antes, na época em que tinha tudo nas mãos, ele costumava não gostar daquelas camisetas exibicionistas. Sempre pedia para que ela não as usasse, sempre dizia que ela falava alto demais ou bebia demais ou dançava demais. E, claro, era foi se cansando e se fechando e se transformando em alguém que ele sequer reconhecia.
Ali estava um pouco dela, quieta e pensativa. Nem uma vez olhara na direção dele. Parecia que sequer tinha tomado conhecimento de que a banda sobre o palco era a mesma que tocava uma canção que possuía seu nome como título.
Mas aquele novo cara reapareceu com as bebidas e ela retornou à vida. Para ele, ela sorria. Para ele, ela erguia as mãos e então as colocava ao redor do pescoço masculino. Para ele, ela cantava baixinho ao pé do ouvido.
Só a camiseta estava faltando. Esse parecia ser um souvenir que ficaria na memória dele para sempre, decidido a torturá-lo. Para ela, aquilo já estava em um passado muito, muito distante.

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