1.2.13

De impossibilidades.


A primeira coisa na qual ela reparou foi naquele sorriso torto. Depois, viu a camisa rubro-negra e, claro, torceu o pequeno nariz.
- O que foi? - ela indagou quando os olhos dele não se desviaram de seu rosto. Puxar assunto com desconhecidos não era um costume, mas a combinação entre a camisa e o sorriso despertaram nela tantas contradições que foi impossível se conter.
- Nada - ele respondeu. Mas o sorriso aumentou. Aquele sorriso debochado que dizia o quanto aquele nada tinha um fundinho de mentira.
- Nada? Você está me encarando como se eu estivesse na lista dos mais procurados da polícia!
- Não, não é nada disso. Aliás, na mitologia do futebol, os torcedores do meu time é que são os bandidos, lembra?
- Por que será, não é? - ela questionou com olhos arregalados de falsa inocência. Ele gargalhou.
- Posso te garantir que nunca conheci nenhum.
- Bandido ou bandido flamenguista?
- Ambos - ele deu de ombros. - Além daquele goleiro, óbvio. Mas nunca o conheci pessoalmente, então não conta.
- Não, não conta.
- Ótimo. Então você pode continuar a conversar comigo sem reservas. Não vou te matar.
- Você tem algum cachorro? Só por segurança.
- Não. E você? Nunca se sabe.
- Tenho um labrador amarelo - ela sorriu com satisfação.
- Ouch! - ele fez uma careta e esfregou o abdômen como se estivesse sentindo ali uma mordida.
- Mas ela já tem doze anos. Sua maior aventura é abanar o rabo quando oferecemos um pedaço de queijo branco.
- Fico feliz em saber. Mas nada disso muda o principal.
- Que seria...?
- Seu time - ele apontou para a camisa vascaína que ela orgulhosamente vestia. - Aliás, como você tem coragem de sair na rua com isso? O 4 a 2 de ontem não foi prova suficiente?
- Prova de quê? De que vocês só resolveram jogar depois de três rodadas de campeonato?
- Não. Foi prova de que somos melhores. E se você aceitar esse fato, vai poupar muito sofrimento.
- Vamos falar dos zilhões de jogos definitivos em que vocês amarelaram diante da gente!
- Não, vamos falar do duelo mais recente. Que foi ontem. E que vocês perderam.
- Ok, perdemos. Mas não foi assim tão fácil pra vocês. Nós lutamos.
- E daí? No final, o resultado é que conta. Mas admiro a sua coragem de sair vestida com esse pano de chão.
- Como é? - ela se aproximou, quase apontando o dedo no rosto dele. - Pano de chão é...
- É o quê? - ele a interrompeu, sorrindo torto outra vez.
- Não me interrompa quando estou prestes a te insultar. Odeio isso - murmurou.
- E o que mais?
- O que mais o quê? - ela franziu o cenho, confusa.
- O que mais você odeia?
- Flamenguistas.
- Bem específico.
- Sou específica - ela deu de ombros.
- Me dá - sem esperar por uma resposta, ele pegou o aparelho celular que ela segurava e rapidamente programou nele o próprio número. - Me liga a qualquer hora pra gente discutir o que mais você odeia.
- Ah, meu Deus! - ela gargalhou enquanto pegava de volta o celular. - Por um momento pensei que estivesse sendo assaltada!


5 comentários:

  1. Estou entre achar isso uma graça completa e ficar quase ofendida. Ora vida, essa tal mitologia é um saco, a gente é flamenguista e é feito de amor! x)

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    1. nao me lembre do seu time que o amor diminui haha (mentira!)

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  2. Sou suspeita pros seus textos e quanto à esse especificamente, ainda mais :P Me imaginei numa futura situação, com um futuro namorado corinthiano, depois de perder um clássico haha :) Quanto de entrelinhas é preciso ser absorvido desse seu texto, Bruna Leôncio? hein?

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  3. Nossa adorei. Esse conto até me lembrou uma partezinha da minha vida...
    Gostei tanto :)
    Beijão

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