27.7.12

Um pouco de sorte.




- Senti sua falta.
As letras brilhavam nítidas no visor do celular e ainda assim era difícil de acreditar. Ela resolveu deixar o aparelho por perto, mas não respondeu.
- Sete minutos e vinte segundos agora. Não vai mesmo me responder?
Dessa vez, ela observou as palavras por tanto tempo que sentiu os olhos embaçados. Respirou fundo, quis responder, mas as lembranças de uma porta se fechando com força e as imagens dela mesma caminhando para fora da vida dele a impediram.
- Não é estranho você ser a parte quieta da nossa relação, eu sei. Mas, sei lá, acho que só preciso me acostumar de novo ao seu jeito. Tantos meses sem trocar sequer uma palavra... Senti sua falta. Mesmo.
"Mesmo", como se precisasse de uma reafirmação desse sentimento - quem sabe até para ele próprio? Ajeitando os óculos no rosto, ela respirou fundo outra vez e digitou uma resposta. Dois, três segundos e já tinha mudado de ideia. Não queria demonstrar que também sentia falta, que ainda queria, que ainda amava. Ele não merecia essa satisfação. Não depois de tudo.

- Acho que estamos procurando por coisas diferentes. Principalmente nesse relacionamento.
- O que você quer dizer com isso? Que estamos perdendo o nosso tempo estando juntos? Por favor, não fale por mim. Eu amo você e acho que isso não seja nenhuma novidade. E entre perder tempo e amar há uma diferença gigante.
- E é exatamente isso que eu estou tentando explicar... Mas de um jeito que não doa tanto.
- Em mim? De um jeito que não doa em mim? Então você está...
- Terminando as coisas? Tentando dizer que o que você sente por mim não é o mesmo que eu sinto...
- Ah. Então é isso - interrompeu ela.
- Isso?
- Não se preocupe. Vou sair da sua vida agora mesmo.
- Ei, espera! É tarde, você pode dormir aqui mais uma noite, pelo amor de Deus!
- Mais uma noite? Como se eu fosse conseguir ficar debaixo do mesmo teto que você... - ele a segurou pela cintura com um braço enquanto ela tentava passar pela porta do quarto. - Me larga, eu quero ir embora!
- Você não vai sair daqui desse jeito - ele indicou as lágrimas que ela nem sabia estar chorando e colocou o outro braço ao redor dela, segurando-a firme. - Já são quase três da manhã!
- Você deveria ter escolhido um horário melhor para terminar comigo, então. Me larga.
Talvez por algo em suas palavras ou provavelmente em seu tom, ele a soltou. Minutos depois ela fechava a porta com força atrás de si e desaparecia na noite, lamentando por seu coração que ainda estava dentro daquele apartamento.

E agora, oito meses depois, ele estava "sentindo sua falta". Inquieta, passou a mão pelos cabelos e suspirou. Relembrar o que havia acontecido não a fizera ter raiva dele. Estupidamente, pegou o celular e redigitou a resposta. Não queria revelar seus sentimentos, mas visualizava cada um deles jorrando através das letras conforme teclava.
- Hoje é alguma data especial que eu não saiba?
A resposta veio rápida, como se ele estivesse com o telefone nas mãos, olhando para a tela e suplicando por uma mensagem dela.
- Não. Precisa de um dia especial para eu dizer que sinto falta de você?
- Um feriado universal chegaria perto...
- Uau! Ok, acho que mereço.
- ACHA?
- Certo... Eu mereço. Mas sabe de uma coisa? Não me arrependo de nada.
- Ah, é? Então por que todas essas mensagens?
- Exatamente por isso. Vamos ter que continuar conversando por mensagem ou posso te ligar?
- Mensagem.
- Monossilábica como sempre, mas tudo bem. Como eu disse, não me arrependo. Não sei se eu teria me descoberto tão apaixonado por você se ainda estivéssemos juntos.
Aquela mensagem pareceu ainda mais surreal do que a conversa toda e ela franziu a testa, tentando perceber, através da tela, se ele falava a verdade. Por um lado, era horrível querer acreditar. Por outro, ela já acreditava tão cegamente que seu coração acelerou. O aparelho apitou. Mais uma mensagem.
- Perdeu as palavras de vez?
- O que você acha?
- Acho que você deveria me encontrar.
- Sério?!
- Muito. Quero conversar com você. Tenho tanta coisa para te dizer que meus dedos cairiam se eu tivesse que digitar tudo.
- Me sinto mais à vontade para dizer verdades através da escrita, você sabe.
- Claro. Por que você acha que mandei uma mensagem, para começo de conversa? Mas por outro lado... Seus olhos não conseguem mentir.
- Não para você, pelo menos.
- É. Já perdi as contas de quantas vezes você tentou me fazer uma surpresa, mas seus olhos sempre te denunciaram.
- Não acho que isso seja uma coisa boa. Você sempre vai ter um poder sobre mim que eu não gosto de te oferecer.
- Gosto de você falando no futuro.
- Lapsos.
- Sei. Enfim... Vai vir me ver ou terei que ir até você?
- É você quem quer conversar.
- Vou ter que ir até você, então.
- Se você quiser.
- Abre a porta.
- UH?
- Abre a porta.
Se o coração dela estava agitado antes, agora queria sair do peito. Ela se levantou da cama, saiu do quarto e parou diante da porta principal. Respirou fundo e usou o olho mágico. Não conseguiu ver muita coisa.  Colocando o celular no sofá, abriu a porta repentinamente. Não queria dar a si mesma tempo suficiente para mudar de ideia. E lá estava ele. O sorriso torto tão cativante como sempre e a camisa azul que se parecia muito a uma que ela lhe dera de presente em um aniversário.
- Você confiou muito na sorte, não foi? Vindo aqui antes de saber a minha resposta - ela cruzou os braços e se apoiou no marco da porta. Ele apenas arqueou as sobrancelhas triangulares que em outra época ela adorava delinear com a ponta dos dedos e suspirou, parecendo cansado.
- E você não tem a menor pena de mim, não é? Estou aqui há séculos. Minhas pernas doem de tanto ficarem dobradas nesse corredor estreito e estou quase certo de que esse barulho que estamos ouvindo é do meu estômago.
Ela riu e mordeu o lábio inferior, analisando-o ao mesmo tempo que analisava seus confusos pensamentos. Queria mandá-lo embora, mas também queria trancá-lo do lado de dentro e não deixar que ele se fosse nunca mais.
- Eu estava prestes a preparar o jantar... Acho que a sorte realmente está com você hoje.

3 comentários:

  1. Você é um gênio, Bruninha ♥

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  2. E hoje eu vou dormir com o maior sorriso que meu rosto consegue produzir. Eu suspiro por segundas chances, suspiro por amores que se reconstroem. Lindo, Bru. Lindo.

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