- Sim, Clara. E ela é tão linda quanto o nome.
- Ela vai ser uma menina inteligente. Clara significa brilhante e ilustre, você sabe...
- Desde quando você se interessa por essas coisas? - ela interrompeu, rindo baixinho.
- Desde que senti falta de você se interessando por elas.
Ela não sabia que tipo de resposta estava esperando, mas certamente não era esse. Não agora, tanto tempo e tantas pessoas depois. Respirou fundo, procurando desesperadamente algo para dizer; algo que não fosse rude ou, mil vezes pior, alegre.
- Ei, ficou muda de repente? É tão estranho ter que levar a conversa sozinho - ele riu. - Se lembra de como antigamente você quase não me deixava falar?
- Ei, ficou muda de repente? É tão estranho ter que levar a conversa sozinho - ele riu. - Se lembra de como antigamente você quase não me deixava falar?
Isso acontecera praticamente em outra vida, mas ela se lembrava. E esse era exatamente o problema. Não queria se lembrar, e não queria que ele se lembrasse também.
- As pessoas mudam, sabia? - comentou ela.
- É - concordou ele. - E nem sempre pra melhor.
- O que você quer dizer? Que eu mudei pra pior? - perguntou, com uma leveza na voz que normalmente não estaria presente. Era toda fogo e paixão, afinal. No entanto, as pessoas mudam.
- Acho que depende de onde você estiver olhando - ele respondeu, tentando sair pela tangente. Ela, porém, era muito boa nesses jogos de palavras, e não o deixaria se safar tão facilmente.
- Então, me diz: melhor ou pior? Do seu ponto de vista, claro.
- Daqui? Do meu humilde e sombrio ponto de vista? - ele perguntou e ela conseguiu perceber o sorriso em sua voz. Ele estava tentando ganhar tempo. Ela conhecia essa estratégia e, apesar de não gostar nada dela quando vinda de outra pessoa, até conseguiu esboçar uma risada tímida.
- É, daí mesmo. E não adianta me enrolar, ok? Tento tempo de sobra pra ficar insistindo nessa pergunta a noite toda.
Antes de responder, ele ficou em silêncio por alguns segundos. Ela aproveitou esse momento de hesitação e olhou para o céu que estava negro e fechado acima de sua cabeça. O som da respiração dele, que era audível através do aparelho telefônico, parecia um alarme que não parava de soar, avisando-a do quão errada aquela conversa, que começara com ele parabenizando-a pelo nascimento da sobrinha, estava se tornando.
- Não fale assim, ou vou começar a enrolar de verdade só pra ficar te ouvindo por horas e horas - murmurou.
- Sabe que você também mudou, não sabe?
- Ah, sim?
- É. O seu antigo eu jamais admitiria isso.
- Como assim?
- Nem jogaria tanto com as palavras desse jeito. Essa especialidade é minha, lembra?
- Lembro. Lembro muito bem. Mas sabe de uma coisa? Algumas pessoas mudam pra pior e outras, pra melhor. Eu, claro, mudei pra melhor.
- Você acha?
- Tenho certeza. E mais: uma pessoa pode voltar pro que era antes, se perceber que a mudança não foi satisfatória.
- Ah, é mesmo?
- Mas é claro. Além disso, tem uma coisa em mim que continua igual.
- O que seria isso?
- Minha teimosia.
- Ok... - ela respondeu pronunciando lentamente cada sílaba, a testa franzida na tentativa de entendê-lo. - E o que isso significa?
- Que eu não vou desistir da gente.
Não adianta, você sabe que eu gosto dos telefonemas. Eles não podem dizer tudo, é dificil de se encararem, não é mais como era. Sei lá, com o telefone parece mais fácil, eles não se cobram... Naquele momento tudo está em paz. A gente lida com o depois depois, mas aquele instante é mágico, simplesmente.
ResponderExcluirÉ exatamente isso. Eu não poderia ter dito melhor.
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