2.9.11

Ao Barry.


(Originalmente postado em 08/01/11)
- O que você está fazendo aqui?
- Ok, esse foi um excelente começo - ela resmungou alto o suficiente para que ele ouvisse.
Ainda parado diante da porta aberta, com uma mão na maçaneta e a outra segurando as chaves que estava prestes a lançar sobre a mesa, ele olhava para ela como se algo de muito errado estivesse se passando no pequeno apartamento. E, ironicamente, estava.
- O que você está fazendo aqui? - ele repetiu com mais ênfase dessa vez.
E foi o som da própria voz que o fez sair daquela espécie de transe e enfim começar a se movimentar. A porta foi fechada e o molho de chaves foi parar em seu lugar habitual sobre a mesa. Mas ele não largou os sapatos em um canto nem se livrou da jaqueta que começava a incomodá-lo. Faria tudo isso se estivesse sozinho, mas, com ela ali, se sentia estranhamente fora de lugar em sua própria casa.
- Cozinhando - ela respondeu depois de um segundo de hesitação.
Mais alguns segundos depois, ela voltou a remexer o conteúdo da panela sobre o fogão. A comida não ficaria pronta sozinha, disse a si mesma. Óbvio que essa era uma desculpa fraca, pois o que desejava mesmo evitar era um confronto com os olhos dele. Estranho, não fora ali exatamente para isso? Acertar os ponteiros e as contas, colocar tudo em seus devidos lugares?
- Cozinhando - ele repetiu cada sílaba de um jeito estranho, como se mastigasse cada letra. - Você odeia cozinhar. Aliás, você não sabe cozinhar.
- Você não precisa estar tão agradecido - ela riu, porém, ela percebeu que era exatamente isso o que esperava dele. Ele deveria estar grato. Ela engolira o orgulho e fora até ali com a melhor das intenções. Ora, até chantageara o melhor amigo dele para que lhe emprestasse as chaves do apartamento por uma noite!
- O que você realmente está fazendo aqui?
- Por que isso é tão relevante?
- Por quê? - ele desejou gritar. Como se não bastasse o fato de ela não estar olhando-o de frente, ela ainda estava calma o suficiente para usar seu vocabulário de advogada? - Você invade a minha casa e vem me falar de relevância?
- Vou deixar as chaves quando sair.
- Quando você sair... E quando isso vai acontecer exatamente?
- Depois do jantar.
- Jantar... Então você está mesmo cozinhando?
- Acho que já passamos por isso - ela reclamou.
- Você continua se esquivando de dar respostas satisfatórias e isso me obriga a seguir perguntando. Simples assim.
Ela largou a colher sobre a pia com certa irritação e resolveu encará-lo de uma vez por todas. Por Deus, haviam sido casados por quatro anos! Tudo o que conquistaram nesse tempo havia mesmo se perdido durante três meses de separação?
- Vamos apenas jantar, ok? Sem cobranças hoje à noite. Sem explicações, sem conversas profundas sobre futuro... Só vamos ficar aqui, juntos, por um tempo.
- É isso que você quer?
- Sim. É isso que eu quero.
- Tudo bem, então - ele tirou a jaqueta e colocou sobre o encosto de uma cadeira. - Vamos ser superficiais por uma noite - sorriu.
- Ótimo. Adivinha o que estou cozinhando?
- Mmm, pelo cheiro, acho que é... Como é o nome daquele único prato que você sabe fazer mesmo?
Aliviada pelo tom relaxado do ambiente, ela jogou um pano de prato nele.
- Idiota.
- Vamos fazer assim, você segue aí na sua tarefa e tenta não queimar nada e eu vou colocar uma música.
- E abrir um vinho.
- E abrir um vinho.
- Tinto?
- Tinto. Barry?
Ela arregalou os olhos. As músicas de Barry White eram a trilha sonora deles. No casamento, no pedido de casamento, quando haviam se encontrado pela primeira vez... Em praticamente todo momento relevante, em suas melhores memórias, lá estava a voz de Barry. Entendeu a pergunta dele como uma espécie de segunda chance.
- Barry - confirmou.
Algumas horas depois, ela já não aguentava mais ouvir a voz de Barry. E, em um flash assustador, entendeu o porquê de haverem se separado, afinal. Ela odiava Barry White. E fingira gostar de Barry White. Isso certamente atraíra más energias para a relação deles, concluiu. Todo o seu ser místico se encolheu ao pensar no enorme trabalho que o Universo deveria ter dito para mantê-los juntos... Não era difícil entender por que falhara.
- Eu odeio Barry White - murmurou. Ele imediatamente ergueu uma sobrancelha, um gesto que costumava aparecer sempre que ele se sentia confuso.
- Odeia? - ela estava tão surpresa por ter dito aquilo em voz alta que não reparou no quanto ele tentava segurar uma risada.
- É, odeio. Sempre odiei. E eu sou tão azarada que quando conheci você estava tocando uma música dele!
- Qual é o grande problema?
- Qual é o grande problema - ela repetiu, com deboche. - Todo casal tem essa coisa de música do primeiro encontro. Como eu poderia admitir que odiava o Barry?
- Você está admitindo agora - ele sorriu.
- Escapou - ela sussurrou.
- Aham - sorrindo, ele se ajeitou na cama.
- Você não está desapontado?
- Não.
- Oh... Mas você adora o velho Barry...
- Por que pensei que você adorasse o velho Barry - ele admitiu.
- Uau, estamos vivenciando momentos confessionais aqui - ambos riram. De repente, ele se levantou da cama.
- Aonde você vai?
- Me dê um segundo.
Quando ele voltou para a cama, a música de Barry estava ainda mais alta.
- Você não desligou.
- Só pensei que pudéssemos nos vingar, pra equilibrar o jogo.
- Vingança? Do Barry? - era a vez de ela ficar meio confusa.
- Não, do nosso filho.
- Que filho? Não temos nenhum...
- Mas vamos ter. E, então, sempre que ele tirar nota vermelha ou nos desobedecer chegando de madrugada em casa, vamos poder dizer que certa música melosa estava tocando no momento em que ele foi fabricado - ele adicionou, com um sorriso malicioso desenhado no rosto.
- Boa ideia - ela riu.
- Devemos tudo ao Barry.
- Ao Barry - ela murmurou sob os lábios dele, esquecendo-se imediatamente de tudo.
Inclusive do Barry.

6 comentários:

  1. Estou relembrando os velhos tempos, rs, e esperando as ideias novas chegarem, rs.

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  2. Gostei muitíssimo do seu conto, Bruna. Muito bem escrito, muito mesmo. Tem um 'quê' de maturidade, um texto adulto. Você escreve muito bem, meus parabéns. Beijo. :*

    Ah, estou te seguindo. Passe no meu blog e me visite também, se gostar siga. :] Eu, assim como você, às vezes não me controlo e escrevo demais. Rs'

    http://railmamedeiros.blogspot.com/

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  3. Esse também poderia estar em trendy hasahsahs

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  4. Poderia, mas não imaginei os dois. EU ACHO. É porque nem lembro mais HAHAHAHAHA

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  5. Não lembra mais né? hashashahsa SEIII

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