31.5.11

Duas estações.



Não era fácil admitir. Sequer demorava muito ao se encarar nos espelhos do caminho, com medo de passar a enxergar o que não queria que lá estivesse. Estava, porém. Sentia e sabia, mas ignorava. Ao menos, na maior parte do tempo. Ignorava, e então fingia que estava bem e que sua vida era perfeitamente normal.
Entretanto, sempre chegava a época em que fingir já não era necessário. As mentiras que inventava para si mesma nos dias de estação fria já não serviam. Ouvia os passos subindo pelas escadas, ouvia a chave girando na fechadura e até detectava o cheiro dele antes que sua presença se materializasse em sua sala de estar. E então sua vida mudava.
A normalidade era só um conceito qualquer e os espelhos já não a amedrontavam. Sentia o calor que parecia nascer de algum lugar no interior dele e se espalhar e impregnar e se deixar absorver por tudo que estivesse ao redor. Com ele por perto, a estação quente finalmente chegara.
Sabia, desde o exato princípio, que o tempo de ambos era calculado, totalmente planejado e previsto. Nem um minuto a mais, mas também nem um a menos. Sabia e aceitava. Levara seu tempo, mas aprendera a lidar com esses dois lados de si mesma.
Ele e ela. Tão facilmente colocados lado a lado em uma folha de papel, mas tão inconstantes quando a vida era real; real demais para ser trapaceada. Não eram bons juntos. Nunca foram. Alguns meses de namoro e já estavam loucos de vontade de fugir. Terminaram em um dia de julho qualquer. Mentira, qualquer não. Aquele dia. Aquele único dia, no tempo de um ano, que parecia representar uma estação inteira. Aquele dia em que não conseguiam, não podiam, ficar longe um do outro.
Então, ele atravessava o país sem precisar de bagagem, levando no bolso apenas a chave que guardara por um ano inteiro com extremo cuidado. Muitas perguntas rodeavam sua cabeça à medida que subia os quinze degraus da entrada. O ritual sempre era idêntico, mas ele nunca fizera nenhuma das perguntas que queria. Eram pessoais demais e ele já não possuía o direito de questioná-la.
- Oi.
Ela estava de costas para a porta, mas sua pose distraída destoava completamente das duas taças de vinho sobre o balcão. Estivera esperando por ele, mais uma vez.
- Chegou mais cedo hoje.
- Não havia trânsito.
- Domingos...
- É, domingos.
- Seu preferido - ela indicou a bebida, virando-se para ele.
- Boa memória.
- Sempre.
- Apreciei o gesto, mas realmente prefiro conversar com você primeiro.
- Conversar?
- Conversar.
Ele colocou a chave sobre o aparador próximo à porta e cruzou os braços. Nunca se sentira mais nervoso e, ironicamente, mais confiante. Estava preparado para tudo. Tivera todo um ano para elaborar as palavras que sairiam de sua boca em seguida. Sabia que não eram bons juntos, mas também não eram nada bons separados... Afinal, ela sempre parecia ansiosa quando ele chegava, como se também fosse capaz de morrer sem aquele interlúdio de um dia que se haviam permitido depois de muito negar a necessidade que tinham um do outro.
Ele não queria definir o que havia entre eles. Não era amor, nem amizade. Era mesmo uma necessidade de estar próximo que nada conseguia apagar; nem os anos nem a distância que ele impusera entre suas vidas. Ele só queria mais tempo... Aquele dia roubado de julho já não era suficiente. Precisava de estações e estações.

Um comentário:

  1. não gosto das histórias de amores separados. pra mim, pobre criança ingênua, a idéia de amor está atrelada a idéia de ficar junto. e eu quase sofro quando você separa... por que eu sinto tudo, pedaço a pedaço, do que você escreve. e ficar separado dói tanto...

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