14.4.11

Tende piedade de nós.


- Toda a cobertura sobre o Massacre de Realengo você continua a ver no Jornal...
Com apenas um toque de seus dedos trêmulos, o controle remoto fez seu trabalho e a tela da tevê se apagou. Nervosa, pegou a bolsa e saiu de casa. Quando deu por si, estava diante da escola do filho. Desligou o carro e entrou, dizendo na Diretoria que seu menino precisava sair mais cedo naquele dia. Apenas alguns minutos depois, viu-o caminhando em sua direção, arrastando a mochila pelo piso atrás de si e com uma expressão confusa no rosto.
- Mãe?
- Oi, meu amor. Vem aqui.
O mundo parou no instante em que pôde segurar seu garoto nos braços. Apertou-o tão forte que ele começou a se mexer, desconfortável. Segurou as lágrimas e soltou-o com relutância.
- O que aconteceu, mãe?
Ela sorriu ao perceber que o "mamãe" já ficara pelo caminho há muito tempo. Ele estava crescendo. Logo completaria dez anos. Depois teria filhos com vinte e tantos ou trinta e poucos; fazendo dela uma avó coruja, na certa. Mais tarde, ele mesmo seria um avô, talvez. Estremeceu ao lembrar da notícia que estivera vendo antes de sair de casa. Tantas vidas interrompidas... Tanta dor... Tanto pesar. Tantos pais que nunca veriam os filhos de seus filhos, por mais que desejassem. Sentiu o coração apertado de tristeza, de impotência, de cansaço... Estava cansada de tanta crueldade, de tanta vida jogada fora. Nenhuma justificativa seria o bastante. Nunca.
- Nada. Não aconteceu nada.
- É o meu pai? Ele está bem?
- Ele está ótimo, filho. Não é nada, já disse. Eu só queria... - comprovar com meus olhos que você está bem, te abraçar, me certificar de que nada vai tirar você de mim - te levar pra comprar aquele tênis, lembra? Seu presente de aniversário?
- Meu aniversário é daqui a dois meses, mãe - ele entrecerrou os olhos da mesma maneira que o pai fazia quando duvidava das palavras dela.
- Não importa quando é. Você quer comprar o tênis hoje ou não?
- Okay, okay!
- Okay! Okay! Okay! - ela o imitou enquanto segurava sua mão e ambos saíam da escola.
Ela sentia muito por todas aquelas famílias destroçadas... Sentia tanto que não sabia o que fazer. Sabia que choraria mais tarde, dentro de um abraço do seu marido. Sabia também que as lágrimas de seus olhos estariam secas pela manhã. Mas a dor... A dor que exigira morada em seu coração naquela manhã... Essa nunca iria embora.

2 comentários:

  1. Lindo texto, Bru. Verídico. Quando as tragédias ocorrem, a primeira coisa que fazemos é nos colocar no lugar de quem sofre, sofrer junto e dar graças a Deus por não ter acontecido conosco. vamos nos livrando. Assim caminha a humanidade.

    Amei as mudanças de estética do seu blog :) Ficou lindo! Percebi que mudou o estilo dos textos também, né? Tô adorando, tá profissa.

    ResponderExcluir
  2. Eu juro que imaginei uma cena assim quando vi a notícia no jornal. Imaginei quantas mães não tiraram seus filhos do colégio, ou nem levaram, e ficaram com eles entre os braços, usando uma desculpa boba pra não deixar partir. Eu mesma quis voar pra casa e agarrar meus irmãos. Seria engraçado, se não fosse trágico, como a reação é quase coletiva.
    E triste. Céus, que triste.

    ResponderExcluir